31 de jul. de 2010

Temperança, Virtude Cardeal


Segundo o Catecismo da Igreja Católica “A temperança é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos dentro dos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem seus apetites sensíveis, guarda uma santa discrição e “não se deixa levar a seguir as paixões do coração”. A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento: “Não te deixes levar por tuas paixões e refreia os teus desejos” (Eclo 18,30). No Novo Testamento, é chamada de “moderação” ou “sobriedade”. Devemos “viver com moderação, justiça e piedade neste mundo” (Tt 2,12).” [1] Partes subjetivas: abstinência, sobriedade, castidade e pureza. Parte integral: a honestidade. Partes potenciais: humildade, mansidão e modéstia” [2]
“A temperança ocupa o último lugar no cortejo das quatro virtudes cardeais. Ela é inferior à prudência, que adapta com proporção os meios ao fim último perseguido, seja bem temporal ou bem sobrenatural, e que é a recta ratio agibilium, a regra objetiva do bem que se deve fazer, e que, para ser alcançado, deve ser o justo meio entre o excesso e a carência. Ela é inferior à justiça, que regula nossas relações com os outros homens e que visa o bem comum, particularmente o da união. Ela é inferior à força, que enfrenta a morte para a salvação pública. Diz Santo Tomás que ela apenas tempera “as concupiscências e os prazeres que se relacionam ao homem em si (ad ipsum hominem)”, mas esta expressão, certamente extensa, não visa o indivíduo enquanto tal,  ou a pessoa, mas o aspecto naturalmente subjetivo do prazer num ser que, por sua natureza, é intrinsecamente social, um “animal político”. O prazer é experimentado subjetivamente, e a temperança possui um caráter subjetivo, não no sentido moderno do termo, de um objeto aparente, ilusório, ou de uma puro recolhimento em si mesmo, mas enquanto é da essência mesma do homem de experimentar prazer com o alimento, com a bebida ou com o sexo, realidade cujo caráter social não podemos negar. A inferioridade da temperança em relação às demais virtudes cardeais reside no fato de que estas têm, na ordem das essências, um objeto mais elevado que aquela. A temperança liga-se estreitamente à prudência, pois modera as paixões do concupiscível e conserva-as num justo meio razoável entre o excesso e a carência. Ela se une à justiça pelos atos e pela rejeição à intemperança, vício essencialmente próprio ao indivíduo dedicado ao seu prazer pessoal. Ela é companheira da força, que luta pelo bem comum, já que é impossível ser forte sem ser temperante. Não há nenhuma outra virtude que esteja em mais estreita conexão com todas as demais ou que lhe seja mais extensível: quase todas as virtudes, cardeais ou não, tem necessidade da temperança para se levar a efeito. Seu uso é freqüente, cotidiano, e, se a força a supera “dum certo modo” (quoad aliquid) por seu aspecto social, por sua frequência necessária e pelos vínculos concretos com as demais virtudes, a temperança pode encontrar a preferência do moralista, não somente em relação à força, mas “mesmo à justiça”. [3]

Etimologia

A palavra temperança provém do latim: Temperantia. “A palavra grega sôphrosunê, que traduz temperantia é composta por um adjetivo (sôs), que significa são, sadio, saudável, e de um substantivo (phrên), que designa o envoltório, a membrana de algum órgão que o mantém em unidade e, particularmente, a alma, o coração, a sede dos sentimentos e das paixões. O homem temperante é aquele cujo espírito saudável equilibra, como o faz a saúde dos órgãos do corpo, as paixões do coração e, mais especificamente, as paixões do concupiscível, da parte da alma pela qual desejamos necessariamente as coisas do mundo indispensáveis à nossa vida e à da espécie.” [4] Raimundo Lullio afirma que a temperança é aquela virtude pela qual as pessoas tornam-se mais sãs, do que por todas as outras virtudes, e pela qual vencem os impulsos ilícitos. A temperança tem concordância com a justiça, medindo com ela as coisas ilícitas, precavendo-se e defendendo-se de tudo o que é ilícito. A temperança tem concordância com a fortaleza contra os grandes apetites da gula, no comer e beber. A temperança tem concordância com a prudência, que ensina as cautelas e os modos pelos quais podemos ter temperança diante da gula e sua circunstâncias. E faz com que consideremos o valor do sabor e o perigo da enfermidade causada pelo demasiado comer, sendo que a prudência aconselha que se recorde a temperança e se disponha a que nos tornemos a ela habituados. Assim, as quatro virtudes cardeais são como que quatro irmãs que se ajudam, segundo modos e natureza e o instinto natural, contra os inimigos e contra os vícios.

Aspecto teológico-ascético

“A virtude da temperança ocupa especial lugar para a prática da ascese, pois a abstinência, o jejum e outras virtudes são justamente virtudes anexas à temperança. Entender a ascese muito relacionada com a virtude da temperança não foge à regra grega original, em que se estabelecia como exercício, prática habitual, a virtude, como meio de aperfeiçoamento e de purificação da alma. Há, no entanto, uma diferença: para Tomás este habitual exercício se desenvolve mais plenamente a partir do auxílio sobrenatural da graça, algo desconhecido para os representantes da filosofia grega. Para os filósofos gregos a virtude natural,  resultado do esforço meramente humano,  é suficiente para levar o homem à perfeição e purificação da alma. Em síntese, segundo o Aquinate requer-se certo auxílio sobrenatural – as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo – para alcançar a purificação sobrenatural da alma, pois só pela prática natural não se alcançaria nem mesma a adequadamente purificação natural, pois a graça, bem para a alma, é necessariamente, bem para o corpo, mas o que resulta num bem para o corpo, não o é necessariamente para a alma. “[5] “É grande verdade este dito: antes de aprender a correr, deve-se aprender a andar! Se ainda não formos capazes de dominar as nossas potências inferiores, dificilmente poderemos dominar as potências superiores da nossa alma. Falando no sentido estreitamente teológico, a virtude da temperança procura dominar as emoções fundamentais de gozo e de tristeza, enquanto estas se referem ao tato, inclusivamente ao paladar. A temperança refreia a avidez sensual (portanto não racional) do homem, o desejo de comer, beber e usar a sexualidade. Ela tem a tarefa simples, mas importante de regular estas paixões e de as sujeitar ao domínio da razão. Deus na sua sabedoria criou o universo e o homem numa ordem harmoniosa: quanto mais natural for uma ação, tanto mais agradável é. E entre as ações naturais, as que são mais necessárias, são ao mesmo tempo as que contem maior alegria. Do outro lado, quanto mais uma ação se desvia da natureza, tanto mais tristeza traz consigo. Quanto maior for a temperança, tanto mais o prazer será conduzido pela razão e integrado nos planos de Deus. Sob a orientação da temperança, os prazeres e alegrias tornam-se bens morais, convenientes para o bem-estar das pessoas, e a tristeza também é moderada e virtuosamente integrada na vida. Assim a vida emocional é enobrecida e torna-se verdadeiramente humana. Porque a felicidade eterna é o fim último a que a vida humana aspira, seria estranho que as alegrias, inclusivamente as corporais, devessem ser banidas da nossa vida terrena. Por isso, o uso razoável e moderado dos prazeres é uma virtude, enquanto a sua negação direta faz parte do pecado da insensibilidade.”[6]  
“Sendo a natureza um sistema hierarquizado de fins, é louvável e até necessário abster-se dos gozos que acompanham as necessidades da vida presente em vista dum fim mais alto, seja temporal ou sobrenatural. Jejuamos para a boa saúde do corpo. Abstemo-nos de bebidas alcoólicas pelo esporte. Restringimos o comer e o beber à guisa de penitência pelos pecados. Os padres, votados às coisas divinas, renunciam ao casamento. Nada disso é insensibilidade, pois tudo isso visa, conforme a resolução mesma da razão reta, a fins cada vez mais altos, muito superiores ao simples trato da vida individual e ao da espécie. O homem temperante é aquele cujo espírito saudável equilibra,  como o faz a saúde dos órgãos do corpo, as paixões do coração e, mais especificamente, as paixões do concupiscível, da parte da alma pela qual desejamos necessariamente as coisas do mundo indispensáveis à nossa vida e à da espécie. Requer-se uma harmonia entre a inteligência prática, mãe da ação, e as paixões do concupiscível que fazem parte de nossa natureza. Esta harmonia não é, em última instância, repressão, punição, sufocamento. Como bom discípulo de Aristóteles, Santo Tomás sabe que a alma e o corpo são complementares, e sua fé cristã na ressurreição confirma-o em sua filosofia realista. Para ele, não se trata de suprimir as paixões, mas de impregná-las da vida do espírito, que necessariamente as faz integrar-se à sua vida temporal e à sobrenatural.” [7]

Aspecto Místico

A pureza de coração, pela qual o Senhor nos prometeu a visão de Deus requer, antes de tudo, a vivência da virtude da temperança. ““Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”(Mt 5,8). A expressão “puros de coração” designa aqueles que entregaram o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus. Aos “puros de coração” esta prometido ver a Deus face a face e ser semelhantes a Ele. A pureza de coração é a condição prévia da visão. Desde já nos concede ver segundo Deus, receber o outro como um “próximo”; permite-nos perceber o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.”[8] “A pureza, a ausência das paixões desregradas e o afastamento de todo o mal á a divindade. Se, portanto, se encontrarem em ti, Deus estará totalmente em ti. Quando, pois, teu estiver puro de todo o vício, liberto de todo mau desejo e longe de toda a nódoa, serás feliz pela agudeza e luminosidade do olhar, porque aquilo que os impuros não podem ver, tu, limpo, o perceberás. Retirada dos olhos da alma a escuridão da matéria, pela serenidade pura contemplarás claramente a beatificante visão. E esta, o quê é? Santidade, pureza, simplicidade, todo o esplendor da luminosa natureza divina, pelos quais Deus se deixa ver.”[9]

Aspecto prático

““A temperança tem um sentido e uma finalidade que é fazer ordem no interior do homem. Dessa ordem, e somente dela, brotará a tranquilidade de espírito. Temperança quer dizer, por conseguinte, realizar a ordem no próprio eu. “(PIEPER, 2001, p. 225). Agir com temperança é agir sobre si, sobre o próprio interior. O homem tanto pode agir sobre si de forma egoísta como desprendida. Este egoísmo se manifesta tanto pela falta de sobriedade nos deleites do corpo, como na ostentação de uma falsa imagem de si provocada pela soberba. O egoísmo e a soberba o destroem, o desprendimento o conserva. “[10]O termo “temperança” parece referir-se de certo modo a algo “fora do homem”. Com efeito, chamamos temperado aquele que não abusa da comida, da bebida ou dos prazeres; aquele que não toma bebidas alcoólicas em demasia, que não aliena a própria consciência com entorpecentes, etc. Contudo, esta referência a elementos externos ao homem tem a sua base dentro do homem. É como se em cada um de nós existisse um “eu superior” e um “eu inferior”. O nosso “eu inferior” expressaria o nosso corpo e tudo o que lhe diz respeito: paixões, desejos, necessidades, sobretudo as de natureza sensual. A virtude da temperança garante em cada homem o domínio do “eu superior” sobre o “eu inferior”. Supõe tal virtude a humilhação do nosso corpo? Ou quiçá leve ao desprezo do mesmo? Pelo contrário, este domínio dá mais valor ao corpo. A virtude da temperança faz com que o corpo e os sentidos ocupem o posto exato que lhes cabe no nosso ser-homens.
Temperante é o homem que é dono de si. Aquele em que as paixões não predominam sobre a razão, a vontade e até o coração. O homem que sabe dominar-se a si próprio! Assim percebemos facilmente o valor fundamental e radical da temperança. Ela é nada menos que indispensável para que o homem seja plenamente homem. Basta ver alguém que se tornou uma “vítima” das paixões que o arrastam, que renunciou ao uso da razão (como, por exemplo, um drogado ou um alcoólatra), para comprovarmos claramente que “ser homem” quer dizer respeitar a própria dignidade e, por esse e outros motivos, deixar-se guiar pela virtude da temperança. Esta virtude também é chamada de sobriedade. E, realmente, convém muito que o seja! Pois, com efeito, para poder dominar as próprias paixões – a concupiscência da carne, as explosões da sensualidade (por exemplo, nas relações com o outro sexo), etc. – não devemos ultrapassar o justo limite entre nós mesmos e o nosso “eu inferior”. Se não respeitamos este justo limite, não seremos capazes de dominar-nos. Isto não quer dizer que o homem virtuoso, sóbrio, não possa ser “espontâneo”, nem possa alegrar-se, chorar, expressar os próprios sentimentos; isto é, não significa que deva fazer-se insensível, como se fosse de gelo ou de pedra. Não! De forma alguma! Basta olhar a Jesus para nos convencermos disso. A moral cristã jamais se identificou com a estóica. Pelo contrário, considerando toda a riqueza de afetos e a emotividade de que estão dotados os seres humanos – se bem que homens e mulheres de modo distinto, dada a sensibilidade de cada um –, temos de reconhecer que o homem não pode alcançar esta espontaneidade madura se não através do domínio sobre si mesmo e de uma vigilância particular sobre todo o seu comportamento. Nisto consiste, portanto, a virtude da temperança, da sobriedade.
Penso também que esta virtude exige de cada um de nós uma humildade específica com relação aos dons que Deus pôs na nossa natureza humana. Eu diria que há uma humildade de corpo e uma humildade de coração. Esta humildade é condição imprescindível para a harmonia interior do homem, para a beleza “interior” do homem. Reflitamos bem sobre tudo isso, em particular os jovens e, mais ainda, os jovens na idade em que se põe tanto esforço em se embelezarem para agradar aos outros. Recordemo-nos de que o homem deve ser principalmente belo por dentro. Sem esta beleza, todos os esforços dirigidos apenas ao corpo não farão nem dele, nem dela, uma pessoa verdadeiramente bela. Por outro lado, não é precisamente o corpo que sofre prejuízos sensíveis e, não raro, graves para a saúde, se falta ao homem a virtude da temperança, da sobriedade? As estatísticas e as fichas médicas de todos os hospitais do mundo poderiam dizer muito a esse respeito. Também têm grande experiência nisso os médicos que atendem esposos, namorados e jovens. É verdade que não podemos julgar a virtude baseando-nos apenas nos critérios da saúde psicofísica; entretanto, há provas abundantes de que a falta da virtude da temperança prejudica a saúde. “[11]A virtude da temperança manda evitar toda espécie de excesso, o abuso da comida, do álcool, do fumo e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou por gosto imoderado pela velocidade, põem em risco a segurança alheia e a própria, nas estradas, no mar ou no ar, tomam-se gravemente culpáveis. O uso da droga causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo indicações estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral.”[12]

Pecados contrários à virtude da Temperança: Gula, luxúria e intemperança

“Com relação à temperança, que põe moderação na vontade frente ao apetite sensitivo concupiscível se contrapõem os vícios: gula, apetite desordenado do desejo e do deleite de alimentos [STh.II-II,q148] e luxúria, apetite desordenado do desejo e dos prazeres sexuais [STh.II-II,q153].”[13] “Tomás de Aquino fala que a gula está ligada aos prazeres do comer e do beber, sem os quais não é possível a vida humana e é por isso que, em relação a esses prazeres, frequentemente se transgride. Mas sobre esses prazeres podemos analisar dois aspectos: a necessidade e o desejo, num exercício de compreensão dessas ordens de apetites no mundo: “ora, entre todas as paixões, a coisa mais difícil de ordenar é o prazer, segundo a razão, e principalmente os prazeres naturais, que são companheiros de nossa vida”. Por necessidades, entendemos a natureza biológica, sem dela excluir a imensa gama de afetos que envolvem o ato de comer e o de alimentar. Tanto no Antigo como no Novo Testamento, temos referências ao pecado da gula. Na Carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo nos mostra uma tensão existente entre carne e espírito como um constante confronto em todos aqueles que foram regenerados. No campo do desejo, podemos considerar a gula como o excesso de apetite e o apetite, como fome de viver. A gula é considerada um pecado venial que pode ser perdoado. É o pecado que não nos afasta inteiramente de Deus, mostra certa negligência do nosso amor e serviço de Deus, mas não chega a ser uma grave traição. “[14]  “A luxúria é uma palavra formada a partir de luxus que significa excesso, que vem de oposição à moderação: é o vício oposto à castidade. Ensina-nos Tomás de Aquino que se pode pecar pela luxúria de dois modos: “Primeiro, de um modo que contrarie a reta razão (é o caso da fornicação, do adultério, do incesto...); segundo, de um modo que, além disso, contrarie a própria ordem natural do ato venéreo que convém à espécie humana. É o que constitui o vício contra a natureza”. E dentre os vícios da luxuria, explica o Teólogo, um tem gravidade especial em relação às outras espécies de luxúria, aquele que é contra a natureza humana, a saber o homossexualismo: “sim, pois o adultério, a fornicação e o incesto, por abomináveis que sejam, são praticados entre um homem e uma mulher, de um modo conforme a natureza, embora contrário à reta razão”. Donde conclui S. Tomás que o vício contra a natureza que inclui o homossexualismo é o maior pecado entre todas as espécies de luxúria.” [15] “A temperança é uma virtude viril e santo Tomás, seguindo Aristóteles, comenta com precisão que seu contrário “é um pecado de concupiscência” excessiva que, de ordinário, atribuímos às crianças. Igualmente destaca, acompanhando “o mestre daqueles que sabem”, que a intemperança é um vício mais grave que a pusilanimidade, porque é mais voluntária, mais própria do homem feito. O pusilânime tem quase sempre o espírito paralisado diante do perigo da morte física ou moral; é mais sujeito aos impulsos exteriores que sofre, mais sensível aos riscos e às ameaças em geral. O intemperante é atraído pelos gozos particulares, adjacentes ou acessórios às concupiscências da natureza. Ora, “é pura e simplesmente mais voluntário o que é voluntário nas ações singulares, nas quais culminam a virtude ou o vício, no sentido próprio dos termos”. Mas, indo um pouco além, estas ações singulares não estão isoladas de seus prolongamentos sociais. A vergonha que se associa à intemperança se opõe à honra e distinção da virtude contrária. Sem dúvida, a intemperança é frequente em meio à humanidade, e sua repetição, por demais visível, parece diminuir a vergonha e a desonra que se associam a ela na opinião dos homens. Todavia, elas não se apagam completamente dali: a natureza do vício ao qual sucumbe o intemperante, marcada por sua gravidade, opõe-se a isto. Demais, os estigmas deixados pela intemperança sobre o aspecto do homem ― a abjeção de sua conduta libidinosa ― apagam, diz-nos Santo Tomás com profundeza, o brilho e a beleza inerentes ao homem temperante, equilibrado, dono de si, seguro das finalidades que persegue, e cuja razão ilumina, por sua transparência, os atos virtuosos. Um visível envilecimento caracteriza o libidinoso e, na mulher, os artifícios que o dissimulam só acentuam a ausência de castidade. Todos esses sinais, ao mesmo tempo individuais e sociais, cujos sentidos são muito evidentes, manifestam que o homem ou a mulher entregues à intemperança se rebaixam ao nível do animal, destruindo em si as marcas do seu caráter verdadeiramente humano.”[16]

Santa Clara e a virtude da Temperança

Escritos de Santa Clara

“Mas nós, sadias, jejuamos todos os dias, exceto nos domingos e no Natal. Mas não somos obrigadas ao jejum, de acordo com um escrito do beato Francisco, por todo o tempo da Páscoa e nas festas de Santa Maria e dos santos Apóstolos, a não ser que essas festas caiam em sexta-feira. Mas, como disse, as que somos sãs e fortes sempre comemos alimentos quaresmais. Entretanto, como não temos carne de bronze nem a robustez de uma rocha (Jó 20,6-7), pois até somos frágeis e inclinadas a toda debilidade corporal, rogo e suplico no Senhor, querida, que deixe, com sabedoria e discrição, essa austeridade exagerada e impossível que eu soube que você empreendeu, para que, vivendo, sua vida seja louvor (cfr. Is 38,19; Sir 17,27)do Senhor, e para que preste a seu Senhor um culto racional (cfr. Rom 12,1) e seu sacrifício seja sempre temperado com sal (Lev 2,13; Col 4,6).”[17]

As Irmãs jejuem em todo o tempo. Mas no Natal do Senhor, seja em que dia for, podem alimentar-se duas vezes. As adolescentes, as fracas e as que servem fora do mosteiro sejam misericordiosamente dispensadas, como parecer à abadessa. Mas em tempo de manifesta necessidade as Irmãs não sejam obrigadas ao jejum corporal.” [18]


[1] Catecismo da Igreja Católica 1809.
[2] www.aquinate.net, A Ética Tomista.
[3] Marcel De Corte. A Temperança, virtude desaparecida. Itineraires no. 250, Fev/81 Tradução: Permanência.
[4] Idem.
[5] Paulo Faintanin, A Ascética Tomista. www.aquinate.net
[6] Temperança, a virtude da beleza da alma.
[7] Marcel De Corte. A Temperança, virtude desaparecida. Itineraires no. 250, Fev/81 Tradução: Permanência.
[8] Cf. Catecismo da Igreja Católica 2518-2519.
[9] São Gregório de Nissa. Liturgia das Horas, sábado da 12ª semana do Tempo Comum.
[10] Paulo Luccas, As Virtudes Fundamentais.
[11] Papa João Paulo II, A Virtude da Temperança, 22 de novembro de 1978.
[12] Catecismo da Igreja Católica 2290-2291.
[13] www.aquinate.net. A Filosofia da Religião Tomista.
[14] Marcos Roberto Nunes da Costa; Leila Rúbia Costa Silva, Os “Sete Pecados Capitais” segundo Tomás de Aquino. Ágora Filosófica, Ano 1, n.1, jul./dez.2007.
[15] Idem.
[16] Marcel De Corte. A Temperança, virtude desaparecida. Itineraires no. 250, Fev/81 Tradução: Permanência.
[17] 3CtIn 35-41.
[18] RSC 3, 8-11.

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