31 de jul. de 2010

Fortaleza, Virtude Cardeal


Segundo o Catecismo da Igreja Católica a fortaleza é “a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem. Ela firma a resolução de resistir às tentações e superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza nos faz capazes de vencer o medo, inclusive da morte, de suportar a provação e as perseguições. Dispõe a pessoa a aceitar até a renúncia e o sacrifício de sua vida para defender uma causa justa. “Minha força e meu canto é o Senhor” (Sl 118,14). “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,33).[1] Tanquerey, define a virtude da fortaleza como “força de caráter ou virilidade que dá força à alma para perseguir o bem árduo, sem deter-se por medo, nem mesmo pelo temor da morte”. Destaca como objeto desta virtude reprimir os movimentos de temor que tendem a paralisar nossos esforços para o bem, e moderar a audácia para não degenerar em temeridade. Seus atos se reduzem basicamente em enfrentar e sustentar. O homem forte é aquele que vai à frente, é decidido, tem valor e é constante na sua busca. É o soldado que avança no campo de batalha. Por outro lado, sabe suportar com paciência e mansidão as dificuldades, sem desesperar ou desanimar na batalha quando as coisas não lhe correm bem. São duas faces de um mesmo esforço, ora progredindo, ora sustentando o bem conquistado.
A capacidade de suportar a dor, de ferir-se, não é o fim último da virtude da fortaleza. Mais do que um estoicismo é a busca de um bem maior. Como é característico de uma virtude fundamental, promove outras em sua atuação. No caso da fortaleza está a magnanimidade, a audácia, a valentia, a paciência, a constância, a perseverança, a persistência, e muitas outras que vão se desenvolvendo e sustentando o progresso da via virtuosa.”[2]Fortaleza é a virtude da reta razão que põe firmeza na vontade frente ao apetite sensitivo irascível (Sum. Theo. II-II, q123,a2,c). Partes integrais: confiança, magnificência, magnanimidade, paciência e perseverança.”[3]
Etimologia
Fortaleza é uma palavra radicada no latim fortis, fortitudo, virtude que designa quem tem coragem frente aos perigos, quem afronta com serenidade os riscos, não se abate pelas dores físicas ou morais, ou em geral, enfrenta com os olhos abertos o sofrimento, o perigo, a incerteza e a intimidação. Forte ou fortaleza designa também uma construção militar. De acordo com o dicionário Houaiss talvez derive do francês antigo fortelece: “lugar fortificado”. A virtude da fortaleza, significa uma síntese de virtudes diferentes: megalopsykhía (grandeza ou fortitude de alma), voltada a atitudes grandiloqüentes, magnânimas e entusiastas; e nadreia, defensiva e pacienciosa. Nadreia deriva do grego Άνδρέας , Ándreas, formado por άνήρ (aner), que significa “homem”, e άνδρός (ándros), “do homem, relativo ao homem, másculo, varonil” , da família léxica de aner (anér), que significa “homem valoroso”, e de andreia (andreia), que significa “valentia”. André, do grego, Andreios, “masculino, viril, guerreiro”, derivado de anêr (genitivo Andros), “homem guerreiro, herói, homem em idade de guerrear”, derivado da raiz proto-indoeuropeia hener, daí o sânscrito nar, o itálico ner (Nero, Nério, Neria, companheira do deus Marte), o gaulês naro, e o irilandês nar. Su-nirt, valente, no irlandês antigo, representa um composto similar ao sânscrito antigo su-nrta, alegre, como sentido original de forte, como talvez a mesma raiz seja a explicação etimológica dos nomes do deus escandinavo Njödr e da deusa germânica continental Nerthus, citada pelo romano Tácito, ambos de um substantive abstrato, ner-tu, força. Tal concepção remonta de uma conjugação estóico-escolástica. A fortaleza tem o martírio (martyria, testemunho) como seu ato principal, e quando interpretada pelo pensamento tomista expressa verdade, e esta se dá através da liberdade. Enquanto magnanimidade (magnamitas, do latim), a virtude da fortaleza é tomada no sentido apresentado por Aristóteles, que define o magnânimo como aquele digno de grandes empresas que representem a projeção de grandeza interior. Esta perspectiva se mostrou insuficiente já no período helenista e se consagrou na Idade Média ao se elencar a moral estóica da resignação como superior, substituindo a ação entusiasta do homem para com o mundo. O ressurgimento aristotélico se dá com Santo Tomás que interpreta a megalopsykhía como virtude natural, que influencia a esperança racional.[4]                  

Aspecto teológico-ascético

“A fortaleza é a virtude do bem árduo que se defronta com um mundo que busca o bem fácil, este é o dilema que sofrem as pessoas mal formadas ou desinteressadas do verdadeiro bem.” [5] “O bem não se impõe por si mesmo, como opinam os liberalismos, para que isto ocorra, há necessidade do empenho da pessoa. Empenhar-se pela realização do bem contra o poder do mal, eis aí circunscrito de forma bem completa aquilo que perfaz o ato da virtude da Fortaleza. “Empenhar-se”: com isto não se indica um agir qualquer, mas um agir pelo qual o agente está disposto a sofrer um prejuízo.” [6]
“Os cristãos são convidados a fomentar em si a virtude da Fortaleza, fazendo esforços pessoais para corresponderem na fidelidade aos apelos do Evangelho. Na medida em que nos vamos purificando das nossas indiferenças, individualismos e auto-suficiências e nos vamos abrindo para o Dom de Deus, é nessa mesma medida que o Dom do Espírito Santo nos torna fortes na docilidade aos critérios de Deus e capazes de dizer como o Apóstolo Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece”(Fl 4, 13).
A virtude da fortaleza, aperfeiçoada pelo dom do Espírito Santo, não suprime a fraqueza própria da natureza humana, o temor ao perigo, o medo à dor, à fadiga, mas permite superá-los graças ao amor. Precisamente porque ama, o cristão é capaz de enfrentar os maiores riscos, ainda que a sua sensibilidade manifeste repugnância em ir para a frente, não só no começo, mas também ao longo de todo o tempo da prova ou enquanto não tiver alcançado aquilo que ama.
Esta virtude leva ao extremo de sacrificar voluntariamente a vida em testemunho da fé, se o Senhor assim o vier a pedir. O martírio é o ato supremo da fortaleza, e Deus não deixou de pedi-lo a muitos fiéis ao longo da história da Igreja. Os mártires foram – e são – a coroa da Igreja, bem como uma prova mais da sua origem divina e da sua santidade. Cada cristão deve estar disposto a dar a vida por Cristo, se as circunstâncias o exigirem. O Espírito Santo dar-lhe-á então as forças e a coragem necessárias para enfrentar essa prova suprema. No entanto, o que o Senhor espera de nós é o heroísmo nas pequenas coisas, no cumprimento diário dos nossos deveres.”[7]
                         
Aspecto Místico

Para o místico carmelita, São João da Cruz, a fortaleza é eminente no estado do matrimônio espiritual. “Para chegar a tão alto estado de perfeição, qual é o matrimônio espiritual, como aqui pretende a alma, não lhe basta apenas estar limpa e purificada de todas as imperfeições, revoltas e hábitos imperfeitos da parte inferior, que, despida do velho homem, está já sujeita e rendida à superior. É necessário também ter grande fortaleza e mui subido amor para que se torne capaz de tão forte e estreito abraço de Deus. De fato, neste estado, não só a alma atinge altíssima pureza e formosura, mas também adquire terrível fortaleza, em razão do estreito e forte laço que se aperta entre Deus e a alma por meio desta união. Para chegar, portanto, a essa altura, precisa estar a alma em competente grau de pureza, fortaleza e amor; por isto, desejando o Espírito Santo, - que pela sua intervenção realiza essa união espiritual, - ver a alma com as disposições requeridas para alcançá-la, fala ao Pai e ao Filho nestes termos do livro dos Cantares: “Que faremos à nossa irmã no dia em que apareça e se lhe tenha de falar? Porque é pequenina e não tem peitos crescidos. Se ela é um muro, edifiquemos sobre ele forças e defesas prateadas; se ela é uma porta, guarneçamo-la com tábuas de cedro”(Ct 8,10). Compreende aqui por forças e defesas prateadas, as virtudes fortes e heróicas, envoltas na fé, significada pela prata; estas virtudes heróicas são já as do matrimônio espiritual, que assentam sobre a alma forte, simbolizada pelo muro, em cuja fortaleza repousará o Esposo de paz, sem mais perturbação de fraqueza alguma. Entende por tábuas de cedro as afeições e propriedades do sublime amor, aqui figurado no cedro, - amor característico do matrimônio espiritual. Para guarnecer com ele a Esposa, torna-se mister que ela seja porta, isto é, dê entrada ao Esposo, mantendo aberta a porta da vontade para ele, por total e verdadeiro sim de amor, sim do desposório, dado já antes do matrimônio espiritual. Pelos peitos da Esposa exprime também este mesmo amor perfeito que lhe convém ter para comparecer diante do Esposo, Cristo, a fim de operar-se a consumação de tal estado.”[8]

Aspecto prático

“Quem julgamos nós ser homem forte, corajoso? Esta palavra evoca ordinariamente o soldado que defende a Pátria, expondo ao perigo a sua saúde e até a sua vida em tempo de guerra. Damo-nos, porém conta que, mesmo em tempo de paz, precisamos de fortaleza. Por isso alimentamos grande estima pelas pessoas que se distinguem pela chamada “coragem civil”. Um testemunho de fortaleza é-nos oferecido por quem expõe a própria vida para salvar alguém que está para afogar-se, ou pelo homem que traz o seu auxílio nas calamidades naturais, como incêndios, inundações. Certamente se distinguia por esta virtude São Carlos, que durante a peste de Milão exercia o seu ministério pastoral entre os habitantes dessa cidade. Mas pensemos também com admiração naqueles homens que escalam os píncaros do Everest ou nos cosmonautas quando pela primeira vez põem o pé na lua. Como se conclui de tudo isto, as manifestações da virtude da fortaleza são numerosas. Algumas delas são muito conhecidas e gozam de certa fama. Outras são menos conhecidas, ainda que muitas vezes exijam uma virtude ainda maior. A fortaleza, de fato é uma virtude, uma virtude cardeal. Permiti-me que atraia a vossa atenção para exemplos em geral pouco conhecidos, mas que em si mesmos testemunham grande virtude, às vezes mesmo heróica. Penso, por exemplo, numa mulher, mãe de família já numerosa, a quem é “aconselhado” por muitos suprimir uma nova vida concebida no seu seio, submetendo-se “à intervenção” que interrompe a maternidade: e ela responde com firmeza: “não”. Sem dúvida sente toda a dificuldade que este “não” traz consigo, dificuldade para ela, para o marido, para toda a família; apesar de tudo, responde: “não”. A nova vida humana nela concebida é um valor demasiado grande, demasiado “sagrado”, para ela poder sujeitar-se a tais pressões. Mais um exemplo: um homem a quem é prometida a liberdade e até uma carreira fácil, contanto que renegue os seus princípios ou aprove alguma coisa que seja contra a sua honestidade para com os outros. E também ele responde: “não”, mesmo defronte a ameaças, por um lado, e atrativos, por outro. Eis um homem corajoso!
Muitas, muitíssimas são as manifestações de fortaleza, muitas vezes heróicas, de que não se escreve nos jornais ou de que pouco se sabe. Só a consciência humana as conhece... e Deus sabe-o! Segundo a doutrina de São Tomás, a virtude da fortaleza encontra-se no homem, que está pronto a “aggredi pericula”, isto é, a afrontar o perigo; que está pronto a “sustinere mala”, isto é, a suportar a adversidade por uma causa justa, pela verdade, pela justiça. A virtude da fortaleza requer sempre alguma superação da fraqueza humana e sobretudo do medo. O homem, de fato, por natureza teme espontaneamente o perigo, os dissabores e os sofrimentos. O medo tira às vezes a coragem cívica aos homens que vivem num clima de ameaça, de opressão ou de perseguição. Especial valor tem então os homens que são capazes de transpor a chamada barreira do medo, com o fim de testemunhar a verdade e a justiça. Para chegar a tal fortaleza, o homem deve em certo modo “ultrapassar” os próprios limites e “superar-se” a si mesmo, correndo “o risco” de uma situação desconhecida, o risco de ser mal visto, o risco de expor-se a consequências desagradáveis, injúrias, degradações, perdas materiais, talvez a prisão ou as perseguições. Para conseguir tal fortaleza, o homem precisa de ser sustentado por grande amor pela verdade e pelo bem, a que se dedica. A virtude da fortaleza anda a par com a capacidade de cada um a sacrificar-se. Esta virtude tinha já para os antigos um perfil bem definido. Com Cristo adquiriu um perfil evangélico, cristão. O Evangelho dirige-se aos homens fracos, pobres, mansos e humildes, mensageiros de paz, misericordiosos e, ao mesmo tempo, contém em si constante apelo à fortaleza. Repete muitas vezes: Não tenhais medo (Mt 14, 27). Ensina ao homem que, por uma justa causa, pela verdade, pela justiça, é preciso saber dar a vida (Jo 15, 13).
Desejo aqui referir-me a outro exemplo, que provém de há 400 anos, mas se conserva sempre vivo e atual. Trata-se da figura de Estanislau Kostka, patrono dos jovens, cujo túmulo se encontra na igreja de Santo André ao Quirinal, em Roma. Aqui, de fato, terminou a sua vida aos 18 anos de idade este santo, por natureza muito sensível e terno, todavia muito corajoso. A fortaleza levou-o, a ele proveniente de nobre família, a escolher ser pobre, seguindo o exemplo de Cristo, e a colocar-se ao seu serviço exclusivo. Embora a sua decisão encontrasse firme oposição, por parte do ambiente, conseguiu com grande amor, mas também com grande firmeza, realizar o seu propósito, expresso no mote: “Ad maiora natus sum” (“nasci para coisas maiores”). Chegou ao noviciado dos Jesuítas, percorrendo a pé o caminho de Viena a Roma e procurando fugir aos seus perseguidores que desejavam, pela força, afastar este “obstinado” jovem, dos seus intentos. Temos necessidade de fortaleza para ser homens. De fato, só é homem verdadeiramente prudente aquele que possui a virtude da fortaleza; assim como também só é homem verdadeiramente justo aquele que tem a virtude da fortaleza.”[9]

Pecados contrários à virtude da fortaleza: preguiça, acídia e ira

“Com relação à fortaleza, que põe firmeza na vontade frente ao apetite sensitivo irascível se contrapõem os vícios: preguiça: apetite desordenado que se configura como uma tristeza profunda que produz no espírito do homem tal depressão que este não tem vontade ou ânimo de fazer mais nada, e se manifesta como um torpor do espírito que não pode empreender o bem (STh.II-II,q35,a1,c ) e ira: apetite desordenado que se configura como tristeza e se conflagra no desejo e na esperança de vingança (STh.I-II,q46,a1,c).”[10] Preguiça (acídia) “Segundo Tomás de Aquino, a “acídia é o tédio ou tristeza em relação aos bens interiores e aos bens do espírito”. O ser humano recebe um dom e uma tarefa e é seu dever empenhar com louvor todas as suas capacidades, e a omissão a esse empenho torna-se um pecado, que é descrito por essas características. Tomás liga a acídia à dissipação do espírito, que é filha primogênita da acídia: “a acídia é aquela tristeza modorrenta do coração que não se julga capaz de realizar aquilo para que Deus criou o homem”. Nesse sentido, melancolia era vista como um desprezo pela vida, que é um dom de Deus. Esse desprezo acaba por provocar uma letargia, que ficou caracterizada como preguiça. O conceito de preguiça se fixou ao mecanicismo tornando a acídia mais uma atitude de prostração e irresponsabilidade do que um descaso espiritual. A acídia não se resume na preguiça física, mas também na preguiça de pensar, sentir e agir. A crença básica da acídia é o não necessitar aprender nada, levando a um movimento limitador das ideias e ações no cotidiano e traduzido pelo “deixa para depois”. A acídia é considerada pecado mortal ao se opor diretamente ao amor a Deus. É uma falsa consciência da vida humana. Assim, podemos relacionar a acídia a uma depressão que baixa quando o homem encara com lucidez a vida de frente, com seus mistérios e fragilidade. Portanto, é um estado de solidão ou de profunda reflexão.”[11]
Ira: “Desde os estudos das Escrituras Sagradas como o Antigo e Novo Testamento, o pecado da ira sempre foi uma disposição de Deus. No contexto bíblico, ela está sempre inserida com vários significados. A ira faz com que o homem se afaste de Deus, que se faz presente através da relação com os outros, faz afastar-se de si, impedindo-o que seja o que deve ser e faz afastar-se dos outros. São Tomás de Aquino diz que o pecado da ira pode transformar-se em ações: “ora, acontece frequentemente que, pelo fim da ira, isto é, por tomar vingança, se cometam muitas ações fora da ordem moral”. Assim sendo, a ira, tal como outros “seis pecados capitais”, parece ter uma relação mais íntima com a existencialidade humana: Ora, se atentamos à realidade, diremos que a ira é um movimento de apetite sensitivo e esse movimento pode ser regulado pela razão, põe a serviço dela para sua pronta execução. E como a natureza humana exige que o apetite sensitivo seja movido pela razão. A linguagem popular pode apoderar-se do fato de que a ira é algo diferente de nós, não inerente ao ser humano normal, fazendo-nos perder a capacidade de controle e uso da razão, com o objetivo de criar expressões e ditos muitas vezes jocosos. Por ter componentes irracionais, a ira não deve ser confundida com o ódio, que pode atingir seus objetivos destrutivos somente pela racionalidade. O homem conseguiu controlar sua agressividade através da razão, ou seja, utiliza a racionalização como um mecanismo de defesa, mas quando tomado por uma forte emoção nem sempre esses mecanismos atuam. A agressividade gerada pela ira demonstra a incapacidade de racionalizar quando se deixa dominar pela emoção. A ira é uma explosão forte de um sentimento ruim, proveniente de uma contrariedade, de uma desilusão, de um acontecimento inesperado e ruim, de uma inconformidade ou de uma culpa.”[12]

Santa Clara e a virtude da fortaleza

 “Clara revela sua personalidade forte decidida já em casa, quando por diversas vezes apresenta uma recusa determinante de qualquer proposta de casamento. Faz depois a ruptura total com os laços familiares e sociais, fugindo de casa aos dezoito anos. Seu gesto denota a renúncia radical de estar entre os “maiores”, optando evangelicamente por uma vida de serviço, entre os “menores” da sociedade de sua época, colocando-se como “serva submissa” das Irmãs Pobres e de todos. Neste sentido, enfrenta os parentes em toda a sua prepotência. Além disso, mostra-se corajosa e forte na maneira convincente de enfrentar os sofrimentos e tribulações físicas e morais, para conservar-se fiel a vocação que o Senhor lhe havia dado através de Francisco. O único necessário, para Clara, a fidelidade plena a Cristo pobre e a Sua Mãe, foi assumido dentro de uma experiência de grande equilíbrio. Todas as demais coisas realizaram a unidade numa pluriformidade sadia. Está sempre decidida a continuar tranquila o seu caminho, sem perturbação perante as oposições que encontrava quanto à sua escolha de vida em pobreza. “[13]
Alguns textos que evidenciam a virtude da fortaleza em Santa Clara:
“Quando chegou o Domingo, a jovem entrou na igreja com os outros, brilhando em festa no grupo das senhoras. Aconteceu um oportuno presságio: os outros se apressaram a ir pegar os ramos, mas Clara ficou parada em seu lugar por recato, e o pontífice desceu os degraus, aproximou-se dela e lhe colocou a palma nas mãos. De noite, dispondo-se a cumprir a ordem do santo, empreendeu a ansiada fuga em discreta companhia. Não querendo sair pela porta habitual, com as próprias mãos abriu outra, obstruída por pesados troncos e pedras, com uma força que lhe pareceu extraordinária. E assim, abandonando o lar, a cidade e os familiares, correu a Santa Maria da Porciúncula, onde os frades, que diante do altar de Deus faziam uma santa vigília, receberam com tochas a virgem Clara. Nesse lugar, livrou-se logo da sujeira da Babilônia e deu ao mundo o libelo de repúdio (cfr. Mt 5,31; Dt 24,1): com os cabelos cortados pela mão dos frades, abandonou seus ornatos variados. Mal voou a seus familiares a notícia, e eles, com o coração dilacerado, reprovaram a ação e os projetos da moça. Juntaram-se e correram ao lugar para tentar conseguir o impossível. Recorreram à violência impetuosa, ao veneno dos conselhos, ao agrado das promessas, querendo convencê-la a sair dessa baixeza, indigna de sua linhagem e sem precedentes na região. Mas ela segurou as toalhas do altar e mostrou a cabeça tonsurada, garantindo que jamais poderiam afastá-la do serviço de Cristo. A coragem cresceu com o combate dos parentes e o amor ferido pelas injúrias lhe deu forças. Seu ânimo não esmoreceu nem seu fervor esfriou, mesmo sofrendo obstáculos por muitos dias no caminho do Senhor e com a oposição dos familiares a seu propósito de santidade.” [14]
“Durante a tormenta que a Igreja sofreu em diversas partes do mundo sob o imperador Frederico, o vale de Espoleto teve que beber muitas vezes o cálice da ira. Por ordem do imperador, aí se estabeleceram, como enxames de abelhas, esquadrões de cavalaria e arqueiros sarracenos, despovoando castelos e aniquilando cidades. Quando o furor inimigo se dirigiu uma vez contra Assis, cidade predileta do Senhor, o exército já estava chegando perto das portas, e os sarracenos, gente péssima, sedenta de sangue cristão e desavergonhadamente capaz de qualquer crime, entraram no terreno de São Damião e chegaram até dentro do próprio claustro das Irmãs. O coração das senhoras derretia-se de terror. Tremendo para falar, levaram seus prantos à madre. Corajosa, ela mandou que a levassem, doente, para a porta, diante dos inimigos, colocando à sua frente uma caixinha de prata revestida de marfim, onde guardavam com suma devoção o Corpo do Santo dos Santos. Toda prostrada em oração ao Senhor, disse a Cristo entre lágrimas: “Meu Senhor, será que quereis entregar inermes nas mãos dos pagãos as vossas servas, que criei no vosso amor? Guardai, Senhor, vos rogo, estas vossas servas a quem não posso defender neste transe”.
Logo soou em seus ouvidos, do propiciatório da nova graça, uma voz de menininho: “Eu sempre vos defenderei”. Ela disse: “Meu Senhor, protegei também, se vos apraz, a cidade que nos sustenta por vosso amor”. E Cristo: “Suportará padecimentos, mas será defendida por minha força”.”[15]
“Também disse que dona Clara tinha tanto fervor de espírito, que gostaria de enfrentar o martírio por amor do Senhor. Demonstrou isso quando ouviu contar que alguns frades tinham sido martirizados em Marrocos e disse que queria ir para lá. A testemunha até chorou. Mas foi antes que ela ficasse doente.”[16]
“Sua virtude admirável, quanto foi perfeita na doença, fica demonstrado principalmente porque em 28 anos de um sofrimento contínuo não se ouviu nenhuma murmuração, nenhuma queixa, mas de sua boca sempre procediam um santo colóquio e ação de graças. Mas com o crescimento das doenças, quando se aproximava da saída, sem tomar nenhum alimento durante 17 dias, é digno de admiração que foi revigorada pelo Senhor por tão grande fortaleza, que confortava a todos os que vinham vi


[1] Catecismo da Igreja Católica 1808.
[2] Paulo Luccas. As Virtudes Fundamentais.
[3] A Ética Tomista, www.aquinate.net
[4] Arlindo F. Gonçalves Jr., A ética de Aranguren e suas convergências com o pensamento de Ortega Y Gasset.
[5] Paulo Luccas. As Virtudes Fundamentais.
[6] Josef Pieper. Estar certo enquanto homem: as virtudes cardeais.
[7] Website de Francisco Fernández Carvaja.
[8] São João da Cruz, C 20,1-2.
[9] Papa João Paulo II. Audiência Geral, 15 de novembro de 1978.
[10] A Antropologia Tomista. www.aquinate.net
[11] Dr.Marcos R. Nunes da Costa, Leila Rúbia C. Silva. Os “Sete Pecados Capitais”, segundo Tomás de Aquino.
[12] Idem.
[13] Irmã Sandra Maria, Clara Mulher: Uma abordagem do feminino ontológico em Clara de Assis. Revista Grande Sinal, 1993.
[14] LSC 7-9.
[15]Idem, 21-22.
[16] ProcC 6,6.

Um comentário:

  1. Cara irmã irmã Sandra Maria Soligo, agora entendo toda a pesquisa efetuada por vocês nestes dias. Parabéns. Abraços do seu irmão Silvério Luiz Soligo.

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